Reforma Protestante: De Wittenberg para o Mundo
Neste texto, um pouco sobre a trajetória de Martinho Lutero e a Reforma Protestante.
Era 31 de outubro de 1517, um jovem monge caminhava em direção à porta principal da Igreja do Castelo de Wittenberg. Em uma das mãos segurava cravos e martelo, na outra, alguns escritos. O que se passava na mente deste jovem? É difícil imaginar, mas algo é certo, ele estava inconformado.
O Início
Sob a recomendação de seu pai, Martinho Lutero, nascido em Eisleben, Alemanha, ingressou na Universidade de Eisenach, em 1498, e posteriormente, na Universidade de Erfurt, completando seu bacharelado e mestrado, respectivamente, nestas universidades.
Logo o jovem Lutero veria sua vida mudar completamente de rumo. Em 1505, Lutero, com vinte e um anos de idade, foi surpreendido por uma aterradora tempestade. O jovem clamou a um dos padroeiros que se o poupasse de tal tempestade, se tornaria um monge. Lutero era um homem de palavra. Dias depois, ele entraria para um monastério de ordem agostiniana.
Em 1507, Lutero foi ordenado sacerdote. Iniciava, então, sua luta pela aprovação do Senhor. Sua visão distorcida de Deus o atormentava. Lutero se via numa posição de desgraça sob o olhar fixo e atento de Deus, um juiz severo e pronto a puni-lo, o que o levou a se esmerar em dispendiosos jejuns e preces, adotando uma vida austera e aflita pela perseguição de sua salvação. Não obstante aumentasse seus esforços por uma vida aparentemente piedosa aos seus olhos, tanto mais, ele se via longe da perfeição moral que lhe era requerida.
A esta altura, Lutero era discípulo do professor universitário e vigário geral dos frades agostinianos da Saxônia, Johannes von Staupitz, que o apresentou ao dogma da soberania de Deus na salvação. Staupitz, conhecendo os muitos dissabores que afligia seu pupilo, enviou-o para Roma em uma viagem oficial.
Lutero, ao contrário do que imaginava, não encontrou refrigério para sua aflição na “Cidade Eterna”, antes, ao chegar no topo da Scala Sancta, próxima à Arquibasílica de São João de Latrão, depois de haver subido os 28 degraus de joelhos, beijando cada degrau e fazendo preces, questionava a autenticidade sacra daquela escadaria.
O questionamento sobre como o homem poderia se ver justificado por obras diante de um Deus tão Santo, despertou em Lutero amargura e ressentimento contra o Senhor, chegando ao ponto de declarar que odiava a Deus.
Posteriormente, Lutero obteve seu título de doutor pela Universidade de Wittenberg, onde, mais tarde, passaria a lecionar estudos bíblicos.
As Indulgências
Com John Tetzel, o extraordinário vendedor de indulgências, fazendo sua campanha de arrecadação monetária ao clero com base em ameaças do purgatório, Lutero se veria impelido a agir contra aquilo que ele considerava ser um excesso de Roma.
Martinho Lutero afixaria, então, noventa e cinco teses às portas da Igreja do Castelo de Wittenberg, contra as indulgências, esperando suscitar um debate público. O que Lutero não poderia imaginar, é que suas teses seriam impressas em grande escala por uma tipografia. Em pouco tempo, o nome de Lutero correria por toda a Alemanha.
Justificação
Neste ínterim, numa meditação exaustiva em Romanos 1:17: “Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá pela fé.”, Lutero se viu vislumbrado pelo significado do texto, a saber, que o crente é salvo única e exclusivamente pela fé em Cristo Jesus. Era o fim da cruciante luta de Lutero pelo aprovação de Deus através de meras obras. Lutero já não via o Senhor como um severo juiz que ordena algo impossível de se cumprir, mas como um pai gracioso que nos dá o soberano presente: A salvação por intermédio do nosso Senhor Jesus Cristo.
Em 1519, Lutero expressou em seu famoso sermão, Sermo de Duplici Iustitia (Sermão sobre as Duas Espécies de Justiça), a seguinte verdade gloriosa:
“Pela fé em Cristo, portanto, a justiça de Cristo se torna nossa justiça, e, com ela, é nosso tudo que é de Cristo, sim, ele próprio torna-se nosso, Por essa razão, o apóstolo a chama “justiça de Deus”, na Epístola aos Romanos 1.17: “A justiça de Deus é revelada no evangelho, como está escrito: o justo vive da fé!” E mais: Refere-se à fé como sendo tal Justiça.”[1]
Ora, com isso, Lutero estava atacando automaticamente um dogma central da igreja católica, a salvação por obras, que conferia base para indulgências, penitências e outros ritos.
Não demorou muito para que seu nome chegasse até os ouvidos do Papa. Quando intimado a comparecer frente ao papado, Lutero se recusou. Foi requerido então que ele se encontrasse com o proeminente John Eck, para um debate. Lutero defendeu as teses de Wycliffe e Huss acerca da falibilidade papal, atacando também a autoridade dos concílios.
Em 1520, após a emissão de uma rígida bula papal, Exsurge Domine, selada por Leão X, a posição de Lutero era a seguinte: A retratação de seus ensinos num período de dias determinado pelo papa ou a excomungação. Se a bula que redarguiu Lutero era rígida, censurando quarenta e uma das noventa e cinco teses, a resposta do reformador veio à altura. Sete meses após a emissão da bula, Lutero conclamou uma grande multidão para fora de Wittenberg, e juntamente com alguns livros eclesiásticos, queimou a bula papal. Tal ato, em si mesmo, era praticamente uma sentença de morte. Lutero passaria a ser o principal alvo aos olhos furiosos de Leão X.
Dieta de Worms
Em 1521, desta vez, intimado pelo sacro imperador romano, Lutero compareceu a Dieta Imperial, em Worms. Numa mesa, entre Lutero e figuras eclesiásticas importantes da época, como Carlos V, o sacro imperador romano e Thomas Cajetan, cardeal representante da Dieta Imperial, estavam os revolucionários escritos de Lutero. Quando interpelado se retrataria ou não de seus escritos e após pedir o intervalo de um dia, Lutero respondeu:
“A menos que eu seja convencido pelo testemunho das Escrituras ou pela clara razão (pois não confio simplesmente no papa ou em concílios, posto ser bem notório que com frequência eles têm errado e se contraditado), estou obrigado pelas Escrituras que tenho citado, e minha consciência é cativa da Palavra de Deus. Não posso e nem quero retratar-me de nada, posto não ser seguro nem certo ir contra a consciência. Não posso agir de outro modo; eis-me aqui; que Deus me ajude! Amém.”[2]
Lutero deixou Worms como um condenado por heresias, e com vinte e um dias para concluir suas obrigações em Wittenberg, um salvo conduto cedido pela Dieta.
Inaugurada Formalmente a Reforma Protestante
Ainda em viagem, Lutero é sequestrado por simpatizantes de suas ideias e levado para o castelo de Wartburg, próximo da cidade onde concluiu, outrora, seu bacharelado, para que estivesse seguro. Sob a ênfase que Lutero dava às Escritura, o reformador começa o árduo trabalho de tradução do Novo Testamento grego de Desidério Erasmo, para sua língua materna, conferindo a verdade das Escrituras aos leigos de sua cidade.
Lutero passou seus últimos anos em Wittenberg, trabalhando e produzindo incansáveis escritos. No prédio em que residia, Lutero recebia um grande fluxo de interessados em suas ideias, dessas visitas e jantares, foi produzido o livro Conversas à Mesa de Lutero.
A Reforma Protestante avançava por toda Europa em uma velocidade surpreendente. Por fim, em 18 de fevereiro de 1546, Lutero morre em uma viagem, por conta das enfermidades que o acometera decorrentes do árduo trabalho empreendido durante seus anos de vida. Uma grande multidão lamentava sua morte enquanto o corpo era conduzido até Wittenberg e sepultado abaixo do pulpito onde costumava pregar. Estava inaugurada a Reforma Protestante.
Bruno Philippe
Editor e Gestor de Conteúdo do Ministério LER.
[1] http://www.monergismo.com/textos/justificacao/duas_justicas.htm, acesso em 01/11/2019.
[2] Pilares da Graça, pg. 504. Lawson, Steven J.
Parabéns, Bruno, pelo excelente texto. Que Deus continue te usando na Seara do Mestre.