No dia 1º de maio diversos países do mundo comemoram o Dia Internacional do Trabalho. Esse dia, que para os brasileiros é um feriado nacional, foi instituído em lembrança ao dia 1 de maio de 1886, dia em que se deu inicio a uma greve na cidade de Chicago, a qual aderiu cerca de 340.000 trabalhadores.
Os trabalhadores de Chicago reivindicavam, dentre outros direitos, a redução da jornada de trabalho, que era de 17 horas e sete dias por semana. Em sua luta por condições mais justas de trabalho, os grevistas agiram com violência contra os trabalhadores que não aderiram a greve. Os policiais e seguranças contratados das empresas os reprimiram com violência, resultando na morte de 3 trabalhadores e oito policiais. Mais tarde diversos líderes desta greve foram condenados à forca.
Olhar o trabalho pela perspectiva moderna das lutas de classe ou das implicações sociais do trabalho, ou pior ainda, da falta dele, não parece nos levar a ter muito a comemorar. Por isso, para muitos o Dia do Trabalho não é dia para comemorar, mas, sim, dia para reivindicar direitos trabalhistas.
Parece-me que a visão pessimista com relação ao trabalho predomina na sociedade atual. Essa visão é coerente com a perspectiva bíblica das consequências do pecado numa humanidade caída, todavia, cristãos regenerados devem olhar para o trabalho como uma dádiva dada por Deus para sua própria glória.
Para tanto, alguns princípios bíblicos tornam-se relevantes. Ao analisar estes princípios, devemos pensar que eles se referem à atividade produtiva na interação com a criação, sendo o trabalho assalariado como temos hoje, uma manifestação específica do princípio geral.
1º Princípio – Trabalho é uma atividade divina.
João 5:17: “Mas ele lhes disse: Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também.”
Deus age produtivamente sobre sua criação. Podemos chamar essa ação de providencia divina. Da mesma forma, um dos trabalhos do Filho é a nossa salvação.
Isaias 53:11: “Ele verá o fruto do penoso trabalho de sua alma e ficará satisfeito; o meu Servo, o Justo, com o seu conhecimento, justificará a muitos, porque as iniquidades deles levará sobre si.”
2º Princípio – O trabalho já existia no mundo ideal criado por Deus
Gênesis 2:15: “Tomou, pois, o SENHOR Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar.”
Antes da Queda, duas instituições foram estabelecidas por Deus – Família e Trabalho – a fim de se desenvolverem em harmonia no domínio produtivo da criação.
Observe a palavra cultivar (i.e. “produzir cultura”) presente no texto bíblico (Gn 2.15). Deus completou o processo criativo em todo seu potencial, todavia designou o homem como corregente para dominar e desenvolver esse potencial produtivo da criação por meio daquilo que chamamos de trabalho. Cada cristão deve olhar, então, seu trabalho pela ótica desse mandato cultural.
3º Princípio – As dificuldades do trabalho são decorrência do pecado.
Gênesis 3.17-19: “E a Adão disse: Em fadigas obterás dela o sustento durante os dias de tua vida. Ela produzirá também cravos e espinhos, e tu comerás a erva do campo. No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste formado; porque tu és pó e ao pó tornarás.”
Assim como nosso pecado levou Jesus ao penoso trabalho da expiação, nosso pecado também tornou penoso nosso trabalho. Arar a terra era algo que Adão e seus descendentes deveriam fazer com suor e em meio a espinhos, e essa nova condição levou a muitos cristãos, não atentos ao 1º e 2º princípios, a considerar o pecado como uma maldição a ser evitada.
4º Princípio – O trabalho tem relação com a adoração
Gênesis 4. 2-4: “Depois, deu à luz a Abel, seu irmão. Abel foi pastor de ovelhas, e Caim, lavrador. Aconteceu que no fim de uns tempos trouxe Caim do fruto da terra uma oferta ao SENHOR. Abel, por sua vez, trouxe das primícias do seu rebanho e da gordura deste. Agradou-se o SENHOR de Abel e de sua oferta…”
Os primeiros homens nascidos na terra são imediatamente identificados no texto bíblico por meio de suas atividades laborais. Isso certamente é um indicativo do quanto nosso trabalho está, sim, relacionado à nossa identidade. Agora, o mais importante é percebermos como a adoração deles era relacionada ao fruto do trabalho.
Sem aprofundar na exegese do texto, basta afirmar que a descrição da oferta de Abel era qualificada e apresentava a indicação de ter sido cuidadosamente escolhida e separada como o melhor.
Sabemos a sequência da história, como Caim movido de inveja matou Abel, mas observem o impacto desse pecado de Caim sob seu trabalho:
Gênesis 4.11-12: “És agora, pois, maldito por sobre a terra, cuja boca se abriu para receber de tuas mãos o sangue de teu irmão. Quando lavrares o solo, não te dará ele a sua força; serás fugitivo e errante pela terra.”
As consequências do pecado de Caim são sentidas imediatamente sob seu trabalho. Ele se torna improdutivo no trabalho e pior ainda, é afastado do seu trabalho, pois como um agricultor poderia viver sem se estabelecer num lugar?!
5º Princípio – O trabalho é um dom de Deus e deve ser visto como fonte de contentamento.
Eclesiastes 2.23-24: “Nada há melhor para o homem do que comer, beber e fazer que a sua alma goze o bem do seu trabalho. No entanto, vi também que isto vem da mão de Deus, pois, separado deste, quem pode comer ou quem pode alegrar-se?”
Eclesiastes 5.20: “Quanto ao homem a quem Deus conferiu riquezas e bens e lhe deu poder para deles comer, e receber a sua porção, e gozar do seu trabalho, isto é dom de Deus.”
6º Princípio – Não existe contentamento no trabalho por si só.
Este princípio faz um contraponto ao anterior, ao nos fazer ver que o fruto de nosso trabalho só tem significado se desfrutado num contexto de amor com o próximo
Eclesiastes 2.11: “Considerei todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também o trabalho que eu, com fadigas, havia feito; e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento, e nenhum proveito havia debaixo do sol.”
7º Princípio – Em última instância, Deus é o nosso patrão.
Colossenses 3.22-24: “Servos, obedecei em tudo ao vosso senhor segundo a carne, não servindo apenas sob vigilância, visando tão-somente agradar homens, mas em singeleza de coração, temendo ao Senhor. Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor e não para homens, cientes de que recebereis do Senhor a recompensa da herança. A Cristo, o Senhor, é que estais servindo.”
Esse princípio deve servir como fonte de motivação interna para todo cristão que trabalha, seja reconhecido pelo seu empregador ou não.
8º Princípio – As injustiças das relações de trabalho devem ser consideradas pelo quadro maior da Justiça Divina
Tiago 5:9: “Irmãos, não vos queixeis uns dos outros, para não serdes julgados. Eis que o juiz está às portas.”
O contexto do capítulo 5 de Tiago é de abuso dos ricos com relação aos seus servos e como estes enriquecem por negar aquilo que é justo aos seus trabalhadores.
Este princípio não quer dizer que cristãos não devem recorrer a seus direitos trabalhistas legalmente estabelecidos, entretanto, ele nos leva a refletir que num mundo caído existirá injustiça e que nos momentos de provação devemos manter a confiança no Justo Juiz.
9º Princípio – O trabalho deve ser realizado com diligência
1Tessalonecenses 4.10-12: “Contudo, vos exortamos, irmãos, a progredirdes cada vez mais e a diligenciardes por viver tranquilamente, cuidar do que é vosso e trabalhar com as próprias mãos, como vos ordenamos; de modo que vos porteis com dignidade para com os de fora e de nada venhais a precisar.”
Cada cristão deveria buscar ser o mais dedicado e eficiente trabalhador de sua empresa. Certamente a preguiça é um pecado a ser evitado.
2Tessalonecenses 3.10: “Porque, quando ainda convosco, vos ordenamos isto: se alguém não quer trabalhar, também não coma.”
Provérbios 6.7-8: “Vai ter com a formiga, ó preguiçoso, considera os seus caminhos e sê sábio. Não tendo ela chefe, nem oficial, nem comandante, no estio, prepara o seu pão, na sega, ajunta o seu mantimento.”
10º Princípio – Faça sempre o máximo e o melhor que pode.
Eclesiastes 2.11: “Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque no além, para onde tu vais, não há obra, nem projetos, nem conhecimento, nem sabedoria alguma.”
Eclesiastes 11.6: “Semeia pela manhã a tua semente e à tarde não repouses a mão, porque não sabes qual prosperará; se esta, se aquela ou se ambas igualmente serão boas.”
11º Princípio – O trabalho feito com excelência é reconhecido e deve levar a glória de Deus.
Provérbios 22.29: “Vês a um homem perito na sua obra? Perante reis será posto; não entre a plebe.”
Mateus 5.15-16: “… nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos os que se encontram na casa. Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus.”
Um trabalho ordinário feito com excelência pode levar o cristão a se destacar e ser reconhecido em sua empresa, por seus clientes e esta se torna uma grande oportunidade de testemunho para a glória de Deus.
12º Princípio – O trabalho deve ser equilibrado com o devido descanso e tempo para adorar a Deus com a família.
Êxodo 34:21: “Seis dias trabalharás, mas, ao sétimo dia, descansarás, quer na aradura, quer na sega”.
No próximo dia 1º de maio, aproveite o feriado para refletir e buscar uma sólida teologia do trabalho, a fim de manter uma relação produtiva com a criação que vise a glória de Deus e o benefício ao próximo.
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Alex Mello – Professor, Associação Brasileira de Conselheiros Bíblicos (ABCB).